Diário de Bordo - Sérgio

 

10/06/2006

Hoje faz seis meses que iniciamos nossa viagem. Se alguém me perguntasse há quanto tempo estamos viajando, sem eu ter o controle do calendário, diria que seriam uns dez anos! O tempo se torna relativo (Einstein que o diga!), pois o que vivemos é muito intenso, tudo é novidade e o que vivemos há seis meses atrás ficou muito distante na memória. Comecei o dia cedo, preparando o barco para zarparmos para Vitória. Fui até a lavanderia e peguei nossas roupas, aproveitando para passar no supermercado e comprar alguns pães e um pouco de presunto para o café da manhã. Chegando no barco, logo soltamos do píer, levantamos a âncora e saímos pela barra. Liguei para a Divisão de Apoio Operacional de Guarapari da Marinha para informar nossa saída e agradecer toda a atenção a nós dispensada. O vento favoreceu-nos na saída e pudemos velejar um pouco. Logo que estávamos perto da ilha da Pescaria, o Mauro nos telefonou para desejar boa viagem. Navegamos por uma hora e meia em orça apertada e depois o vento entrou na cara. Fomos costeando a bela costa capixaba, com belas praias e lindos morros até começarmos a ver os muitos edifícios de Vitória. Quando faltava pouco para chegarmos, vimos golfinhos tímidos ao lado do barco. Eles nos acompanharam pouco tempo, subindo muito pouco para respirar. Nós rebocávamos uma linha de pesca e tivemos medo que eles se enroscassem, mas eles não se aproximaram. Pouco antes de chegarmos pudemos desligar o motor e andar só à vela. Fomos entrando na baía de Vitória, com o porto de Tubarão ao fundo e recolhemos nossa isca: não pegamos nada no corrico outra vez! Fizemos um zigue-zague entre alguns bancos de areia e pedras e chegamos às 15:30 hs no Iate Clube do Espírito Santo, mais conhecido como Iate Clube de Vitória. Fomos muito bem recebidos no clube e nos colocaram numa ótima vaga no píer. Arrumamos o barco e pouco depois chegaram duas pessoas da Marinha para conversar conosco e perguntar se havíamos feito boa viagem e se necessitávamos algo. Batemos um papo, mostramos o Fandango a eles e ficamos de fazer uma visita na Capitania na próxima semana, para agradecer a atenção dispensada e planejar nosso acompanhamento daqui para frente. Fomos almoçar e encontramos um casal amigo do Jadir Serra e da Andréia do Cristal. Conversamos um bocado e então eles ligaram para o Jadir. Falei com ele e com a Andréia, contei as novidades rapidamente e soube que eles também estão bem e com grandes planos para a Semana de Vela de Ilhabela. Depois de nosso almo-janta de comemoração de seis meses de viagem, nós fomos tomar um bom banho e então fomos passear numa feirinha que é montada todo sábado e domingo ao lado do iate clube. Ela me surpreendeu: dezenas de barracas de comida com coisas deliciosas e requintadas, doces e salgadas. Dezenas de barracas com coisas interessantes, muitas fugindo das coisas tradicionais de uma feirinha. Até um mágico havia, vendendo alguns ótimos truques de mágica, aos quais as crianças não resistiram e compraram duas boas mágicas cada um. Retornamos ao Fandango exaustos, mas antes de dormir, as crianças fizeram seus diários e eu falei com a Lu por Skype. Antes de dormir, acessando a internet, vi que nosso amigo Ricardo Anderaos, jornalista do Estado de São Paulo, está na Alemanha cobrindo a Copa do Mundo e tem um blog sobre ela, atualizando-o com um notebook sem fio como nós. Deixamos nossa mensagem para ele, torcendo para que a seleção siga nossos exemplos de uso de computador “sem fio” e não se embaracem com a bola e com as trapalhadas dos cartolas e dos que querem aparecer em cima da seleção. As crianças estão loucas para ver o primeiro jogo. O sofrimento vai começar em breve. Haja coração!

 

11/06/2006

Acordamos com um maravilhoso dia de sol, sem uma nuvem no céu. Tomamos o café da manhã, as crianças treinaram suas mágicas e fomos aproveitar nosso domingo em Vitória. Eu estava ansioso por mostrar-lhes a bela orla ao lado do clube. Fomos andando por ela, acompanhados das várias pessoas que saíram de casa aproveitando o sol e que andavam de bicicleta, corriam ou só caminhavam despreocupadamente como nós. O lugar é muito bonito, bem planejado e bem conservado. Há quadras de futebol, tênis, campo de futebol, e um lugar cheio de brinquedos científicos. As pessoas que não estavam caminhando, estavam sentadas entre os coqueiros, aproveitando a sombra e beleza do lugar. Caminhamos cerca de um quilômetro e paramos para tomar uma água de coco. Fomos depois ao shopping que fica na ponta do calçadão oposta ao iate clube. O engraçado é que apenas os grandes magazines estavam abertos e as lojas abriam a partir das três da tarde (mesmo numa véspera de dia dos namorados). O resultado é que os magazines estavam repletos. Aproveitei para comprar uma panquequeira (que também servirá para fazer tapiocas!) para o Fandango e alguns doces. Voltamos pelo calçadão e vimos que o lugar dos brinquedos científicos estava para abrir. Entramos e as crianças brincaram bastante, aproveitando para fazer algumas de suas novas mágicas para as crianças que também brincavam por ali. Retornamos ao clube e, após um lanche rápido, elas foram brincar com algumas crianças e eu aproveitei para arrumar o barco e descansar. De noite, após um delicioso banho de chuveiro quente com água em abundância, fomos novamente na feirinha e jantamos lá. Fomos novamente no mágico e compramos mais duas mágicas cada um. Retornamos ao barco e as crianças ficaram treinando suas mágicas até a hora de dormir.

 

12/06/2006

Acordei cedo e logo fui preencher os papéis de entrada no clube. Saí para o mercado e comprei algumas coisinhas para nosso café da manhã e mais algumas que faltavam no barco. Retornando ao Fandango, as crianças já estavam de pé e com o diário quase feito. Tomamos um delicioso café da manhã com pão francês, o que o fez bem diferente, pois na viagem só temos usado o pão de forma com grãos e fibras. Comecei a arrumar algumas coisas no barco: coloquei um espelho no banheiro, pois não tínhamos nenhum a bordo, dei uma revisada no motor para ver se tudo estava bem, arrumei o buraco no espelho de popa do Fandango, enchemos o tanque de água doce e aproveitei para dar uma lavada no convés e cockpit do Fandango. Em seguida demos um pulo rápido na piscina e depois nos arrumamos para fazer uma visita à Capitania dos Portos do Espírito Santo para agradecer toda a atenção que eles nos tem dispensado. Pegamos um ônibus na frente do clube (os ônibus aqui são bons e baratos) e descemos na frente da Capitania. Lá fomos recebidos pelo Capitão dos Portos Fernando, que foi muito simpático conosco e perguntou uma série de detalhes da viagem e disse que gosta de velejar e que gostaria de fazer algo semelhante. Ganhamos presentes dele, que as crianças gostaram muito e logo estavam usando: bonés, broches e canetas da CPES. Eu, além de ganhar tudo que eles ganharam, ganhei ainda uma camiseta. Depois da entrevista com o Capitão dos Portos, descemos para conhecer meu homônimo Comandante Sérgio Gomes. Muito simpático, ele brincou com as crianças e disse ter um filho que gostaria de escrever para as crianças e lhe passamos nosso e-mail e nossa página na internet. Finda a visita, passamos numa loja de náutica ao lado da Capitania para ver um caiaque e acabamos indo conhecer o estaleiro do dono da loja, o Glaubert. Muito simpático, ele nos mostrou o “Trindade”, um lindo monotipo de excelente qualidade que estão fabricando. Já “exportaram” vários para a Bahia. Entramos também num Multichine 34’, projeto do Cabinho (o autor do livro “Do Rio à Polinésia”), que ele está construindo para um cliente. Conhecemos ainda o Caleb, advogado paulista radicado em Vitória, que tem um sonho parecido com o nosso. Voltamos para o Fandango e logo preparei nosso almo-janta: um excelente risoto de carne seca com ervilhas. À noite ficamos contentes, pois recebemos um e-mail do Iate Clube do Espírito Santo nos avisando que aprovaram nosso pedido de apoio ao nosso projeto “Três Visões do Brasil” e nos dariam apoio dispensando-nos das diárias de atracação pelos dez dias que pretendemos ficar por aqui. Nosso muito obrigado ao ICES! Após o jantar, as crianças estudaram, lemos um pouco e fomos dormir ansiosos pelo dia de amanhã: visita à fábrica de chocolates Garoto e jogo do Brasil!

 

13/06/2006

Às oito horas da manhã o despertador tocou e acordamos todos animados para o dia cheio que teríamos. Logo tomamos nosso café e, após colocarmos calça e tênis, obrigatórios para a visita e que faz tempo que não usávamos, fomos pegar o ônibus até a fábrica dos chocolates Garoto. O trajeto do ônibus é muito bonito, passando por uma ponte alta, que tem uma bela vista e passa ao lado de um antigo convento enorme que ainda pretendemos conhecer. Mudamos de ônibus no terminal de Vila Velha e em pouco tempo estávamos na porta da fábrica. Compramos os ingressos, esperamos um pouco as outras pessoas que fariam a visita chegarem e entramos. O cuidado com limpeza é enorme na fábrica e nos mandaram colocar toucas, roupas, protetores de sapato e de barba. Minha impressão era estar numa sala de cirurgia! Não nos deixaram fotografar na fábrica, que é maravilhosa. A produção é quase toda automática, com pouquíssima interferência manual. Existe o que eles chamam de “chocoduto” que é um tubo de seis quilômetros de extensão que leva o chocolate para toda a fábrica, que equivale ao “rio de chocolate” do filme “A Fantástica Fábrica de Chocolate”. Os números são impressionantes: toneladas de açúcar são usadas por dia, máquinas que fazem até 20 bombons por segundo e duas mil pessoas trabalhando no local. É realmente uma fábrica muito bem montada e de ótima localização: numa grande metrópole e com um grande porto ao lado para exportação, que é feita para mais de 40 países. Ainda fizemos degustação do chocolate, que tem sabor muito diferente e muito melhor do que o comprado, pois acabou de ser produzido. Paramos também na lojinha da fábrica, que é muito bonita e que é impossível resistir: compramos um monte de chocolates para nós e para presente. Saindo da fábrica, retornamos ao clube, onde encontramos nosso amigo Claudinei, que acabava de chegar com o Moara. Sabíamos que ele havia saído de Arraial dois dias atrás e eu já estava preocupado. Para não chegar à noite em Vitória, eles pararam em Guarapari para dormir e depois saíram cedo de lá para chegar à tarde em Vitória. Após nosso almoço, fomos para o restaurante do clube ver o jogo do Brasil e bater um papo com a tripulação do Moara: o Claudinei, o Paulo e o Edgar de Guarapari, pessoas que nos receberam muito bem em Guarapari e de quem já falamos anteriormente. Sofremos bastante durante o jogo e após o término fomos mostrar um pouquinho das imediações aos nossos amigos. Todos gostaram muito do que viram. Acabamos andando até o shopping, pois eles precisavam de um Banco do Brasil para sacar dinheiro e só havia caixas lá. Retornamos ao barco todos cansados e dormimos logo, sonhando com futebol e chocolates.

 

14/06/2006

Acordei, fiz meu diário e fui até o mercado comprar pães para nosso café da manhã. Depois dele, nos despedimos do Paulo, Edgar e Claudinei, que estavam indo embora. Em breve deveremos ver o Claudinei outra vez, pois estará vindo para Vitória ajudando a trazer o Tikii, do Edélcio. Tivemos que encher novamente o tanque de água doce do barco, pois ele vazou todo por uma válvula que se abriu quando eu mexia com a caixa de ferramentas no paiol. Fechei a válvula e a travei, para não dar mais problemas. Aproveitei para fazer uma limpeza do barco e, principalmente, do fogão. Fiz mais algumas coisinhas e fomos para a piscina. As crianças brincaram com seus veleiros feitos de sucata e eu aproveitei o sol, nadei e descansei. A estrutura do clube é ótima e todos os funcionários são muito simpáticos conosco. Consegui comprar gás pelo telefone e me entregaram na porta do clube pelo mesmo preço que paguei o último bujão que comprei em Parati e que tive que ir buscar no centro. Depois da piscina saímos para andar um pouco pela região, onde tomamos sorvete e comi um doce que minha avó fazia. É muito interessante, pois para mim teve “sabor de infância”. Disse para as crianças como isso é especial para mim e espero que daqui a uns trinta anos eles provem algo e tenham a mesma sensação. Aproveitei também para comprar um remédio contra enjôo para a Carol que não deve dar muito sono. Chama-se Meclin e estarei experimentando na Carol já na próxima travessia. Passamos também no mercado e voltamos ao barco com dor nas pernas. Descansei um pouco enquanto as crianças lavavam a louça e depois fiz o jantar. Estudamos, trabalhei no site, tomamos um banho e lemos antes de dormir.

 

15/06/2006

Acordamos com o dia belíssimo: céu completamente azul. Fui até o mercado animado e comprei pães e frios para o café da manhã. Depois foi a vez de várias arrumações no barco enquanto as crianças faziam seus diários. Arrumei várias coisas no barco e tentei encher o bote, que tinha apresentado vazamento no último dia em Búzios, para achar o vazamento e mandar arrumá-lo. A boa surpresa foi que ele não vazava mais. Eu devo ter fechado a válvula com o cordãozinho para não perder a tampa no meio da última vez, pois já estava escuro e isso causou o problema no dia. De tarde fomos passear na praia de Camburi, que fica ao lado da marina, passando uma ponte. A praia é bonita, mas parece estar poluída, pois não havia ninguém dentro da água. Na volta encontramos uma livraria e comprei “O Velho e o Mar”, que pretendo ser nosso próximo livro de leitura (na capital da pesca oceânica, nada melhor do que esse livro!). Fomos até o aeroporto buscar a Lu que estava chegando para nos visitar. Após deixar as malas dela no Fandango, fomos jantar com o Dionísio, a Janaína (amiga da Cristina de Guarapari) e a Eleonora (prima da Lu) num rodízio de pizzas. A pizza era muito boa e havia vários sabores diferentes dos nossos “paulistas”, entre elas as especialíssimas pizzas de caranguejo e de caraguejo capixaba (puxando na pimenta e no pimentão). Também experimentei uma pizza de churrasco que estava ótima. Após comermos pizza até fartarmos, os nossos amigos nos deixaram no clube e fomos descansar depois de um dia bem cheio.

 

16/06/2006

O tempo continuava muito bonito, mas estávamos bem cansados e aproveitamos para relaxar na parte da manhã. As crianças aproveitaram a piscina e o Jonas brincou bastante com seu barquinho que fez o maior sucesso no clube. Não havia uma pessoa que não olhasse o barco admirada. Após a tranqüilidade da piscina, resolvemos tentar mergulhar num lugar que haviam me falado: a ilha do Francês. Quando estávamos quase saindo, o Mauro e a Cristina apareceram e ficamos batendo um papo com eles. Quando eles se foram, subimos no bote e seguimos para a ilha. A água estava muito turva e fui me desanimando até chegar num lugar que parecia estar um pouco melhorzinha. Caí na água para ver como estava e não dava para ver quase nada. Subi de novo no bote e paramos numa prainha para tentar outra vez. Da mesma forma, a água estava muito ruim e a praia era muito suja, com muito lixo submerso. Voltamos ao clube e tomamos um delicioso banho de chuveiro. Demos um pulo no supermercado e compramos ingredientes para o jantar. Fiz deliciosas panquecas no barco, que ficaram muito melhores que da primeira vez e, após comermos muitas panquecas (muitas mesmo! – fiz duas receitas e só sobraram três panquecas pequenas), dormimos cedo e cansados.

 

17/06/2006

O tempo amanheceu bonito outra vez, mas o vento sudoeste entrou durante a noite confirmando a previsão de frente fria chegando. Resolvemos arriscar ir até uma praia que nos falaram ser boa. Pegamos dois ônibus (foi divertidíssimo a brincadeira que fizemos dentro dele, onde algumas pessoas sisudas olhavam contrafeitas) e fomos até a praia da Costa. É uma praia belíssima e fica em Vila Velha. Tomamos um banho de mar e ficamos com pena de não ter trazido as máscaras de mergulho. Tomamos vários sorvetes, inclusive de araçaúna, que é delicioso (tem gosto de mistura de açaí com limão). Cada sorvete custou apenas cinqüenta centavos! Comemos milhos verdes e, antes de ir embora, almoçamos numa churrascaria. Resolvemos tentar visitar o Convento da Penha. Pegamos um táxi e conseguimos chegar um pouco antes de fechar. O lugar é maravilhoso, cheira a história e tem uma vista privilegiada de Vila Vela e Vitória. A construção e os ornamentos são antiqüíssimos e imagino o trabalho que deu construir tal monumento no alto de um morro tão alto. Conseguimos enxergar o convento de praticamente qualquer lugar de Vila Velha e Vitória pelos quais passamos. Aproveitamos o táxi e tentamos achar a lojinha de fábrica da Garoto, mas já havia fechado. Retornamos ao barco de ônibus outra vez, tomamos banho e fomos correndo para a feirinha onde, apesar de termos comido muito bem durante o dia, ainda experimentei os deliciosos bolinhos de bacalhau e bacalhau a Gomes de Sá de uma barraca.

 

18/06/2006

O dia amanheceu chovendo: dia de preguiça, acordar tarde e de futebol! Fiz panquecas novamente e outra vez comemos bastante. Ficamos no barco enquanto as crianças foram para a piscina. Logo começou o jogo do Brasil, que fez tremer nossos corações, e fomos vê-lo no restaurante do clube. Torcemos muito, brincamos muito e curtimos bastante a Lu reclamando dos jogadores: é muito engraçado! Após o jogo e a alegria da vitória (que festa fizeram todos nos gols do Brasil – parecia final!), fomos dar um passeio. Fomos no churrasquinho Mimi que há no Triângulo (rua dos barzinhos muito próxima à marina) e nos fartamos de carne. Quando retornamos para dar uma passeada pela feirinha, ela estava vazia. Pouquíssimas barracas e quase ninguém andando. Resolvemos voltar ao barco, onde descarreguei fotos de quando estivemos em Angra que a Mônica havia enviado e ficamos revendo-as e matando saudades dela e de nosso gostoso passeio, com a chuva ainda caindo lá fora.

 

19/06/2006

Acordamos ainda com chuva. Aproveitei e fui compramos pães e frios para fazermos um delicioso café da manhã. Resolvemos fazer uma “loucura de paulista”: tomar um banho de mar na praia da Costa, mesmo embaixo de chuva. Pegamos de novo os dois ônibus e desta vez levamos as máscaras. Chegando lá, a água estava parecendo “café com leite” de tão turva. É, nossos mergulhos em Vitória não foram dos melhores (espero que em Abrolhos não tenhamos surpresas). Mesmo assim, tiramos a calça, tênis, meias, blusa, camiseta, etc. e tomamos um banho de mar (exceto as crianças e, olha, para a Carol não querer entrar na água, vocês podem imaginar como estava frio!). Após recolocar a roupa na praia, com areia ficando grudada em “todas” as partes (rsrsrs), fomos até a lojinha da Garoto novamente. Desta vez a pegamos aberta e nos refestelamos com os bombons maravilhosos e fresquinhos de lá. Após fazermos um bom estoque de chocolates para a continuação da viagem e da Lu comprar para levar de presente, pegamos o ônibus de volta. No ônibus, percebi que a Carol não estava com sua capa. Ela havia esquecido a capa do lado de fora da loja, num banquinho. Retornei até a loja, mas cadê a capa? Haviam levado. Ainda bem que tenho capas reserva, mas nenhuma tão boa quanto a que a Carol tinha (era a melhor de todas as nossas!). No caminho de volta para o clube, ligaram desmarcando vôo da Varig de volta da Lu. Ela ficou preocupada, pois tinha que voltar para São Paulo no dia seguinte de manhã de qualquer jeito. Lu desmarcou o jantar que havíamos combinado com a Eleonora para irmos até o aeroporto resolver o problema. Um pouco depois de chegarmos no barco, apareceu o Aurélio, um amigo do Mauro e começamos a conversar. Ele é piloto, logo deu uma telefonada e conseguiu saber os horários de vôos do dia seguinte e também viu que havia lugares ainda vagos. Podemos dizer (apesar de não serem esses os nossos votos para ele) que ele caiu do céu! Fomos jantar numa churrascaria perto do clube enquanto a Mônica tentava trocar o vôo para a Lu, mas não teve jeito: teve que comprar outra passagem, na última vaga disponível no vôo da Gol. Conversamos muito com o Aurélio, pessoa simpática e com muitas histórias de aviões, helicópteros e veleiros para contar. Ele e mais dois tripulantes foram de Vitória para Abrolhos e voltaram com seu pequeno Skipper 21, na cabeça de uma frente fria, numa viagem alucinante. Nos despedimos dele, retornamos ao barco, tomamos banho e dormimos cansados, mas com tudo em ordem para o dia seguinte.

 

20/06/2006

Acordei cedo e levei a Lu no aeroporto. Foi tudo em ordem com a partida de seu vôo pela Gol e retornei ao barco. Passei no mercado e fizemos um ótimo café da manhã. Logo começamos a arrumar o barco, pois a ansiedade de zarpar novamente já está grande. Vi as previsões de tempo e acho que iremos na quinta de manhã para essa tão esperada escala: Abrolhos. Fomos no mercado para abastecer o Fandango e compramos tudo que faltava para irmos bem abastecidos. Compramos também algumas coisas para beliscar enquanto retornávamos ao barco. Carregamos e guardamos todas as compras no barco, completamos o tanque com diesel, que me deixou surpreso com o pequeno consumo do motor no último tracho de viagem e fomos jogar bola na área de lazer do calçadão. Nossa bola, uma pequena bola de frescobol, deixou as crianças um pouco irritadas, pois é de difícil controle. Retornamos ao barco, fizemos o jantar no barco, fiz meus diários atrasados e tomamos banho para ir dormir cedo. Antes de dormir, lemos um pouco do “Do Rio à Polinésia” que fazia tempo que não líamos.

 

21/06/2006

Ao acordar logo puxei a previsão de tempo e vi que o nordeste previsto para amanhã é mais forte do que a previsão de ontem marcava. Resolvi adiar a saída para quinta-feira bem tarde, cerca de 23:30 hs. Dessa forma fugimos do vento contra, assistimos o jogo do Brasil e saímos antes da sexta-feira. Para quem não sabe, dizem que dá azar sair para uma viagem longa numa sexta-feira. Não acredito nessas coisas, mas, por via das dúvidas (e ainda mais num trecho cheio de baleias), sairemos no final da quinta (rsrsrs!). Fui no mercado e trouxe os tradicionais pãezinhos franceses, que não temos em todo porto e que nos delicia. Fizemos um bom café da manhã, preparei a vara de pesca para tentar um peixinho na travessia e as crianças lavaram a louça. Depois de algumas arrumações no barco saímos para visitar o Museu Ferroviário. Pegamos três ônibus e andamos a pé um bocado para chegar lá, pois os ônibus que passam perto estão desviando o caminho por causa da ponte em manutenção. Mas valeu a pena: o museu é muito legal! Vimos muitas coisas sobre como construíam as ferrovias antigamente e vimos uma linda e enorme maquete com os trenzinhos em funcionamento. Expliquei a importância das redes ferroviárias e também que é uma pena que não fizeram mais redes no Brasil, pois optaram estrategicamente pelo transporte rodoviário que é muito caro. As crianças entraram numa “maria fumaça” e num vagão de passageiros. Expliquei o funcionamento dela e eles se surpreenderam que é, basicamente, muitíssimo parecido com a usina nuclear de Angra, a não ser pelo material que aquece a água (madeira x fissão nuclear). Acabamos a visita tomando um lanche num lindo restaurante montado dentro de um vagão-restaurante de um trem antigo. Retornamos para o clube pegando, desta vez, só dois ônibus. Chegando lá, tomamos nosso banho e vi uma coisa que reflete bem o povo de Vitória: um rapaz de terno e gravata pescando no píer do clube! Trabalho e prazeres junto ao belo mar capixaba faz parte do dia-a-dia desta grande capital. Depois do banho jantamos e depois fomos tomar um sorvete com a Janaína, o Mauro e a Cristina. As crianças ganharam lindas camisetas de Guarapari do Mauro e da Cristina e ficamos conversando quase três horas! Muitas estórias de barcos, velejadores e viagens foram contadas, enquanto o Jonas desenhava seus veleiros em regatas em guardanapos para dar de presente para eles. Voltamos ao barco, falei com a Lu por Skype e fomos dormir sonhando com baleias, golfinhos e Abrolhos.

 

22/06/2006

Acordei cedo e já comecei a arrumar todas as coisas para a viagem. Comecei a escutar gritos e saí do barco para presenciar um incêndio no galpão de manutenções do iate clube. Uma grande lancha de pesca oceânica pegou fogo enquanto faziam alguma manutenção nela e queimou toda a parte superior dela. O incêndio só não foi pior graças ao bom treinamento dos funcionários do clube (no dia que chegamos presenciamos o treinamento deles ao combate de incêndios) e ao rápido atendimento dos bombeiros. Descansei um pouco, comprei algumas coisas para o almoço, registrei a saída do barco no clube, agradecendo a maravilhosa atenção e apoio deles e almoçamos a bordo. Logo depois foi a vez de testar o coração: jogo do Brasil! Ainda mais quando o Japão começou ganhando de 1 x 0, mesmo com o bom desempenho da seleção com várias substituições (eu achei que o time ficou muito melhor). Ainda bem que o Ronaldo acordou e decidiu o jogo. Após os 4 x 1, tomamos um bom banho nos deliciosos chuveiros do clube e fui dormir. Acordei às 22:30 hs e comecei a arrumar o que faltava para a saída. Avisei sobre nossa saída para o Posto de Controle de Vitória e, por coincidência, quem estava no plantão era o mesmo sargento que nos recebeu em Vitória quando chegamos. Senti uma emoção grande em sua despedida, com votos de boa sorte e de acompanhamento de Deus e me emocionei também. Eram 23:30 hs e estávamos a caminho de um dos pontos altos de nossa viagem: levar as crianças para conhecerem Abrolhos! Além disso, seria nossa travessia mais longa até o momento, planejada para 40 horas. Fui saindo devagar, usando os pontos do GPS que já tinha usado para entrar. Nunca é fácil chegar e sair de um lugar pouco conhecido à noite. Pouco depois de sairmos as crianças foram dormir. O trânsito de barcos na região também é grande e vários barcos cruzaram conosco. Um rebocador grande passou bem perto de nós. Rapidamente deixamos o porto para trás, junto com a bela cidade de Vitória, o receptivo e confortável Iate Clube do Espírito Santo, que nos recebeu tão bem, e vários amigos feitos na cidade. Foi uma estada memorável, muito mais agradável do que eu poderia imaginar quando pensei em 2002 que gostaria de ficar vários dias por ali quando viesse com meu próprio barco. Quanto à partida, a noite ainda ia ser longa, mas ela estava estrelada e quente!

 

23/06/2006

Afastando um pouco do porto de Tubarão, uma série de cheiros adocicados e (imaginem!) de pães assados invadiam a noite. As estrelas não podiam ser mais bonitas e a noite de lua nova ajudava muito nisso. Soprava o vento norte prometido pelo Jadir Serra, quando ele me sugeriu que saísse de Vitória à noite. Como o vento era muito fraco, fomos navegando com vela e motor e o andamento era bom. O mar tinha pequenas ondas e andávamos próximos à costa. Vi uma estrela cadente e o pedido foi o mesmo de sempre: chegar bem ao nosso destino! As luzes de Vitória foram ficando para trás e cada vez mais longe. Também ao longe, eu via pela bochecha do barco uma luz muito forte no mar, que deve ser de alguma plataforma de extração de petróleo ou gás. A noite correu tranqüila e, como eu estava bem descansado, foi deliciosa. Amanhecendo, vi uma grande fábrica ou usina soltando muita fumaça no litoral. Deixei as crianças dormirem bastante e às 9:00 hs da manhã o vento melhorou um pouco e desliguei o motor. Pouco depois o Jonas acordou e ficou comigo um pouco. Às 10:00 hs ligamos o motor novamente, pois o vento enfraqueceu, só que uma hora e meia mais tarde ele voltou firme e de boa direção, permitindo desligar o motor outra vez. Vimos a água bastante turva, devido a estarmos bem na direção da foz do Rio Doce. Passada a foz, a água clareou novamente. Tomamos um café da manhã logo que a Carol acordou também. Desta vez ela está tomando um remédio contra enjôo chamado Meclin, receitado pelo meu irmão. Fez um bom efeito e não deu muito sono nela. Dormi um pouco e deixei as crianças na vigília, com nosso Alfredo levando o barco sempre. Às 14:00 hs, vimos um grupo de 12 pesqueiros, todos muito perto uns dos outros. Estávamos rebocando nossa linha de pesca desde o amanhecer e fiquei na esperança de pegarmos um peixinho no local, mas nada aconteceu. Vimos uma formação de nuvens estranhas na direção da costa. Parecia a proa de um navio, depois o Jonas falou que parecia o cabelo do Jhonny Bravo. Por fim, a nuvem foi mudando de forma até ficar quadrada e vazada no meio, como uma moldura. E dentro dessa moldura, distinguiam-se perfeitamente os vultos de duas pessoas de corpo inteiro, viradas para nós, nos olhando ou... olhando por nós? O vento foi melhorando e vinha de uma direção muito boa: través. Estávamos velejando entre 5 e 6 nós. Cruzamos com vários pássaros marinhos pescando, mas nossa linha continuava sem dar resultados. Ao longo do dia eu tentei dormir um pouco para agüentar melhor à noite. Tivemos um pôr-do-sol muito lindo e a velejada estava maravilhosa. Reduzimos a mestra como faço quase sempre à noite. Fiz um miojo para o jantar, a pedido das crianças. Ainda bem que eles adoram, pois era o mais fácil a fazer na situação. As milhas que faltavam para Abrolhos iam diminuindo rapidamente e eu continuava tentando descansar para agüentar a madrugada. O Jonas e a Carol estavam muito animados e ficaram comigo no começo da noite. O vento começou a apertar mais e reduzimos a genoa. O anemômetro estava marcando entre 17 e 20 nós de vento e a velocidade do barco era mais do que eu queria, pois não queria estar no amanhecer do dia muito perto de Abrolhos para diminuir o risco de choque com baleias. Como elas dormem à noite na tona, o acidente mais normal com velejadores é exatamente atropelar baleias (imaginem um veleiro de 3,4 toneladas em alta velocidade atropelando uma baleia de 30 toneladas! – quem se “machuca” mais?). Além disso, eu queria estar nessa região aonde vimos muitas baleias em 2002 de dia, para que as crianças pudessem vê-las. O vento continuou aumentando e as ondas, que também entravam de través, varriam o barco todo e nos molhavam. Decidi tirar a mestra. Segurando-me bem e com o cinto de segurança sempre atado, entramos um pouco no vento e eu fui ao mastro baixar a mestra. A tripulação funcionou perfeitamente e, mesmo à noite e só com uma pequena lanterna para ajudar, todos sabiam exatamente o que fazer para baixá-la. Cabos foram soltos, outros presos e eu amarrei a mestra com um pequeno cabo para que ela não abrisse se o vento apertasse mais. Nota mil para a tripulação: nem uma falha, nem um atraso e nem uma ordem precisou ser repetida. Com apenas a genoa aberta parcialmente a velocidade do barco diminuiu e tudo ficou mais confortável, sem grandes choques com as ondas e sem muitos respingos no cockpit. Calculo que a velocidade do vento na hora que baixamos a mestra deveria estar na casa dos 25 nós. Bateu o sono e as crianças resolveram ir dormir. A noite mais longa para mim estava começando: sem ter dormido o suficiente durante a noite anterior e durante o dia, o sono iria bater muito forte. Continuamos navegando rumo à maravilhosa Bahia, loucos para atravessar a divisa dos estados. O vento ficou forte por um bom tempo, mas não eu avistava mais barco algum. De vez em quando escutava no rádio alguém chamando outro barco, mas devia ser longe, pois eu nada via. Graças às ondas laterais, o conforto no barco era muito pouco. Tudo que tínhamos que fazer era com sacrifício. A noite foi passando e o vento amainou novamente. Como o piloto automático não conseguia levar o barco só com a genoa e vento fraco (o Fandango ia arribando e o piloto não conseguia manter o rumo por falta de velocidade e porque o centro vélico estava jogado muito à frente do barco), resolvi levantar a mestra novamente. Fui até o mastro sempre bem amarrado e soltei a vela. Retornei ao cockpit e a levantei facilmente. Retornávamos ao bom rumo e à boa velocidade.

 

24/06/2006

A madrugada foi entrando e o vento mudou um pouco de direção. Precisamos orçar um pouco mais e o Fandango começou a andar numa orça folgada, rumo que ele também gosta. Só que o vento voltou a apertar e eu tive que tirar mais genoa. O sono batia forte e eu tentava descansar um pouco entre cada olhada no horizonte. Resolvi colocar o relógio para despertar a cada 15 minutos, pois eu vi apenas uns dois navios passando ao longe nas últimas horas. Dessa forma consegui descansar um pouco para agüentar toda a madrugada. É assim que os velejadores solitários fazem: acordam a cada 15 minutos, verificam se há alguma embarcação nas redondezas e, se não, voltam a dormir mais 15 minutos. Fiz isso umas 5 vezes e já senti o cansaço e o sono indo embora. O vento voltou para o través e apertou novamente. Para não acordar as crianças, resolvi tirar toda a genoa e andar só com a mestra no segundo rizo. Funcionou bem e, como deixei a mestra meio solta, não havia muita tendência de orça do Fandango. O problema era só a velocidade. Continuávamos andando a seis ou sete nós apenas com a mestra no segundo rizo! Nessa hora o vento já devia ter passado dos 25 nós. Era mais ou menos o que pegamos na ida do Rio de Janeiro para Arraial, mas desta vez a direção do vento, que era favorável, fazia toda a diferença. As quatro da manhã avistei as luzes do farol de Abrolhos e fiquei muito contente. Estávamos chegando e não faltava muito. Assim que o dia clareou um pouco, mesmo sem o sol ter nascido, chamei o Jonas, pois o sono estava insuportável. Ele acordou rapidamente e ficou no meu lugar. Falei para ele ficar de olho em barcos e não sair debaixo do dog-house, que o protegia totalmente dos ventos e dos respingos (santo dog-house!) e que se houvesse qualquer mudança na situação, me chamasse. Deitei, fechei os olhos e dormi imediatamente. Dez minutos depois, acordei com os gritos: BALEIAS!!! Pulei da cama e sai imediatamente, a tempo de ver a água voando ao lado do barco. Uma baleia tinha espirrado um grande volume de água bem ao lado do Fandango e foi isso que o Jonas viu de dentro do dog-house. Saí e olhei para o lado a tempo de ver o grande dorso da baleia, naquele acinzentado de nascer do dia, mergulhando sob o barco. Falei para ligarem o motor, pois isso as espanta. Nisso a Carol já estava no cockpit também, procurando as baleias, mas nenhuma se apresentou novamente. Com o mar muito picado e o vento ainda muito forte, era difícil ver alguma baleia à nossa volta, a não ser que estivéssemos bem ao lado dela. Nossa visitante, assim como apareceu foi embora e nos deixou um sentimento paradoxal: ao mesmo tempo em que estávamos um pouco assustados com a aparição tão perto do barco, ficamos com gosto de “quero ver mais baleias”! Continuamos com o motor ligado só para fazer barulho e voltei a dormir. Dormi até as oito horas e quando levantei vi que a situação continuava a mesma: vento forte, mar picado e o Fandango velejando maravilhosamente bem a seis nós só com a mestra no segundo rizo. Desligamos novamente o motor. O dia estava bonito e o mar grosso o deixava mais bonito. A única pena é que não avistávamos as baleias por causa disso. Com o sol mais forte, o vento enfraqueceu e permitiu a abertura de parte da genoa. O mar foi ficando mais liso aos poucos e às 9 horas estávamos avistando as ilhas. Santa Bárbara, Redonda, Siriba, Sueste e Guarita, o conjunto de belíssimas ilhas, que um dia foram a borda de um grande vulcão, estavam à nossa espera. Estávamos todos no convés apreciando a chegada. Quando estávamos conversando distraidamente no cockcpit, olhei para o lado e vi jorros de baleias. Estávamos passando por um grupo de baleias a uns 500 metros de distância. Vimos os dorsos e, eu e a Carol, vimos um belo salto de costas de uma delas. Deviam ser duas ou três. Pensei em voltar para vê-las, mas o cansaço estava grande e a vontade de chegar imensa. Fomos nos aproximando das ilhas pela rota de maior profundidade e, algum tempo depois nos dirigimos diretamente para elas. Informei nossa aproximação ao rádio-farol de Abrolhos e pedi instruções para pegar uma poita. No momento, me recomendaram pegar a poita ao norte da ilha. Como estava batendo o sueste, tanto o lado norte quanto o lado sul ficam desprotegidos, mas me disseram que o norte estava menos ruim. Fomos nos aproximando com cuidado e chegamos na poita. Um pesqueiro estava ancorado calmamente ao lado da poita. Demos a volta por trás dele e nos aproximamos dela. Como ela era de ferro e grande, eu não queria que o barco batesse contra ela. Junte-se a isso o vento forte que estava batendo e as ondulações no local e resultou que precisamos de umas seis ou sete tentativas para conseguir pegá-la. E foi na raça, pois quando as crianças conseguiram “pescá-la”, quase a perderam junto com o croque, porque não conseguiam segurar o barco com o vento e as ondas empurrando. Consegui chegar a tempo e com grande esforço conseguimos passar o cabo de amarração. Puxa, conseguimos! Começamos a arrumar o barco e uma pessoa com equipamento de mergulho começou saiu da praia e se aproximou. Era o sargento Iran, responsável pelo comando da base da Marinha da Ilha de Santa Bárbara. Nos apresentamos, começamos a contar as estórias da travessia, com o barco balançando bastante quando ele, meio sem jeito, falou que, enquanto chegávamos, o outro lado da ilha ficou com melhor situação de vento e que a previsão era do vento virar mais para nordeste. Ou seja, deveríamos soltar a poita tão difícil de pegar e ir para a do lado sul! Ai, ai! Mas, como não adianta chorar pelo leite derramado, logo começamos a nos preparar para isso. O sargento foi muito gentil e voltou à ilha para inflar o bote deles e nos ajudar a pegar a poita do outro lado. Soltamos a poita (deixei um cabo amarrado a ela caso precisássemos voltar) e contornamos a ilha próximo ao lindo farol. A correnteza era violenta e mal conseguíamos andar para frente (ela devia estar entre 3 e 4 nós!) entre a ilha da Guarita e a de Santa Bárbara. Quando acabamos de contornar, a velocidade aumentou violentamente e rapidamente chegamos à poita. O sargento já estava lá com o bote e passou nosso cabo dentro do olhal da poita. Falou que seria mais seguro se colocássemos um cabo mais grosso (o meu era de 12 milímetros!) e outro de reserva, pois já aconteceu de um veleiro arrebentar o cabo e ir parar nas pedras. Assim que ele se foi, já tendo feito o convite para visitarmos a Ilha de Santa Bárbara, fomos arrumar as coisas e almoçar. Eram 11:30 hs e finalmente, após 36 horas de viagem sendo 11 horas no motor e vela e o restante apenas velejando (e muito bem), estávamos em Abrolhos, um paraíso que todo brasileiro amante de natureza deveria conhecer um dia! E não é só um paraíso embaixo da água, não. É bela demais na superfície também. Almoçamos um macarrão com atum frito no alho, com salada de tomates e cenouras e nos preparamos para descer à ilha. Antes de sair, peguei a máscara e a nadadeira e fui até a bóia da poita para colocar outro cabo com uma proteção para não ficar roçando na bóia de ferro. Voltei ao barco e o amarrei mais curto. Dessa forma, tinha um cabo tensionado prendendo o barco e outro mais comprido para segurá-lo se o primeiro arrebentasse. Descemos em terra com o bote do sargento Iran e logo conhecemos o Egno, guarda-parque do Ibama. Muito gentil, ele nos falou as regras do Parque Nacional Marinho dos Abrolhos, nos deu folhetos com informações do parque e falou para as crianças uma série de coisas interessantes sobre ele. Logo depois, conhecemos o simpático sargento Flávio que nos levaria para conhecer a ilha. Extremamente gentil, ele nos levou para conhecer tudo da ilha: geradores, instrumentos meteorológicos, cisternas..., nada faltou mostrar. Flávio falou que na noite em que chegávamos o anemômetro marcou 26 nós! Ele também nos levou para ver alguns atobás brancos que nidificaram na ilha. Vimos um filhote de atobá morto, com uma fêmea protegendo-o. Deu muita pena! Como as fragatas roubam o alimento dos atobás e dos filhotes, estes morrem de inanição. Ele pegou o filhote e o jogou longe despenhadeiro abaixo. É muito melhor para a mãe isso do que ficar tentando alimentar um filhote morto, mas acabamos ficando tristes vendo a mãe perdida, procurando-o. Depois fomos até um ninho com um filhote grande e, como são muito mansos, ele pegou o filhote para que passássemos a mão. A Carol ficou fascinada! A penugem é extremamente macia. Parece bicho de pelúcia. Ele explicou diversas coisas sobre o desenvolvimento dos filhotes e suas mudanças. Por último, fomos ver uma das grandes belezas da ilha: seu lindíssimo e importantíssimo farol! Subimos até o topo e vislumbramos a linda vista lá de cima. O Fandanguinho pulava como cavalo chucro amarrado em sua poita e de lá vislumbrávamos todo o horizonte. Ficamos sabendo por ele, que chegamos exatamente junto com as baleias! Hoje é o primeiro dia do ano que estão avistando-as e, da ilha, nós vimos mais algumas pulando atrás da ilha sueste (provavelmente as mesmas que vimos quando chegamos). É, acho que estamos com sorte! Minha máquina fotográfica resolveu não funcionar quando subimos ao farol e ficamos de voltar no dia seguinte para fotografar lá de cima e conhecer a outra ponta da ilha de Santa Bárbara. O Flávio nos levou de volta ao barco, onde conversamos um pouco e ele assinou nosso livro de visitas. Logo após ele sair, deitei um pouco. Eram 5 horas da tarde. Dormi imediatamente. As crianças fizeram sanduíches quentes e me ofereceram. Comi deitado mesmo e por duas vezes adormeci com pedaços do sanduíche na boca. Eles ficaram lendo e fazendo os diários. Quanto a mim, dormia o merecido sono do qual tanto estava precisando, mesmo com o mar muito mexido e o barco balançando muito!